quarta-feira, 18 de junho de 2008

Uma história de sucesso

Texto original: Pedro Ivo Resende


Algum débil mental, destes que vestem o cachorro com casaco em dias frios, teve a brilhante idéia de reunir a velha turma do colégio dez anos depois. Prepararam uma quadra de queimada para as meninas, mas nenhuma delas se dispôs a jogar. Quer dizer, a Renata até que se empolgou com a idéia e surgiu com uma bola debaixo do braço. Mas aí alguém se lembrou de que ela só tinha estudado com a gente por três meses, se mudando com os pais pra Belo Horizonte antes do primeiro semestre. Tecnicamente não fazia parte da turma.

- Tirem ela daqui.

Três homens cercaram Renata e a arrastaram pra fora da festa. Eu aproveitei a confusão para puxar conversa com a Marisa, a nossa "garota-mais-bonita-da-classe". Deus, ela continuava linda.como seus esforços não trouxeram resultado, Marcelo Belloti apelou para um truque sujo.

- Bons tempos aqueles, hein, Marisa.
- É... Olha, segura aqui a minha empada que eu vou ali no banheiro e já volto.

Fiquei segurando aquele salgadinho por uns quarenta minutos. Alguém depois me disse que ela escapou pela janelinha do banheiro, pulou do play para a garagem e voltou correndo assustada para casa. Guardei a empada no meu bolso e fui pro salão de festas, dançar aquelas músicas manjadas dos anos noventa, tipo Sandy e Jr. E como nunca fui muito bom de dança, fiquei encostado na parede, estalando os dedos e fazendo "whooooo"s.

- Digi dig digi boy "puboy"...
- Whoo!
- vem brincar comigooo...
- Whoo-hooo!

Depois de algum tempo um sujeito barbudo apareceu e cochichou algo no ouvido do DJ, que abaixou a música e veio falar no microfone:

- Pessoal, pessoal... [barulho de microfonia] Atenção: os "whooo" e "whooo-hooo"s foram proibidos na pista de dança. Para que ninguém se sinta prejudicado nós reservamos a salinha do depósito, com um radinho de pilha, para o os adeptos do "whoooo". Obrigado.

Procurei pela salinha e, quando a encontrei, vi que estava lá o Leleco, um dos meus melhores amigos.

- E aí, Leleco, quanto tempo!
- Fala, rapaz.
- Que surpresa te encontrar na sala dos "whooo-hoo"s! Vamos cantar e nos divertir pra cacete, hein?
- Peraí... Sala dos whooo-hoo´s? Eu tava conversando sobre matrix com um pessoal lá no pátio e me disseram que aqui ia acontecer uma convenção sobre ficção-científica, depois um jogo de RPG.
- Ahhnn, sim. Bem, tchau então.
- Peraí, aonde você vai?
- Me teletransportar.

Apesar de não ter sido um adolescente muito popular, hoje em dia as coisas eram diferentes. Não podia ficar ali perdendo tempo com o Leleco. Precisava me enturmar com o pessoal do pátio e mostrar para eles como eu mudei.

- ... um contrato de U$ 100 milhões com essa firma alemã.
- Boa noite, macacada!
- Quem é esse?
- Não conheço.

Uau, toda a elite da turma estava lá. Inclusive o Marcelo Belloti de Almeida, ou MBA, capitão do time de futebol americano da nossa escola e agora um empresário de sucesso. E tinha mulheres em volta, dezenas delas! Enquanto euainda estava no 30° periodo de engenharia, morando na casa dos pais.

- Pô, Marcelo, sou eu.
- Não converse diretamente comigo. As pessoas podem nos ver. Fale antes com esse cara.
- Tá... Ei, diz pro Marcelo que tenho guardada lá em casa a Exame. Aquela em que ele aparece na capa, pulando carniça com o Jack Welsh.
- Eu não falo nada.

A roda de conversa se fechou e eu fiquei de fora. Me afastei um pouco e sentei em cima de um criado-mudo, onde pude escutar belas histórias sobre o countryside inglês e a ascensão dos vinhos californianos no mercado internacional. E se você prestasse bastante atenção poderia ouvir. Ouvir o tique-taque dos relógios Rolex. Aquilo foi me dando nos nervos. "Aspen", tique-taque, "cuecas de seda", tique-taque, "muzzarela de búfala", tique-taque. Não agüentei e explodi:

- Seus putos!! Vocês se acham o máximo, não é? Sempre se acharam. Ficam aí arrotando caviar e vindo com esse papo de Chiquinho Scarpa. Pensam que são os fodões da festa. Mas deixa eu contar um negócio pra vocês: eu sou o sujeito mais bem-sucedido, inteligente e culto daqui!

Toda a roda de conversa se entreolhou, tentando entender o que acontecia ali. E logo quando uma mulher estava prestes a se dirigir à minha pessoa, provavelmente com uma crítica embasada e construtiva, eu emendei:

- E eu vou provar tudo isso entrando dentro dessa porra de criado-mudo!!

Houve uma comoção geral. Todos começaram a me cercar, enquanto eu tentava caber dentro daquele móvel minúsculo com todo meu peso. Empurra daqui, espreme dali. E para a surpresa deles, eu realmente consegui entrar no criado-mudo. Minha cabeça tinha ido parar numa gaveta e meus braços pendiam pra fora. As mulheres estavam fascinadas com aquilo. Me achavam exótico, excêntrico, compacto. Nunca tinham visto isso no catálogo de móveis da Macy´s. Queriam me levar para casa. Já o MBA ficou transtornado com a cena. Não se conteve e começou a chutar o móvel.

- Saia! Saia daí, seu pequeno demônio!

E eu ali, protegido dentro daquele pequeno ninho, seguro da minha inteligência, de toda minha vasta cultura. O móvel balançava, mas não a minha auto-estima. E Largou uma nota de cinco reais no chão. Por puro reflexo, saí de dentro do criado-mudo.

- Opa, o dinheiro é meu, vi primeiro!

Mas, ao contrário do esperado, MBA não desejava me agredir. Estava eufórico para que eu saísse dali de dentro e me transformasse, o mais rápido possível, no vice-presidente das suas empresas. Nunca tinha visto uma demonstração tão aguçada de criatividade e dinamismo. Subitamente me vi transformado no que sou hoje: um mega-executivo de sucesso. Minha biografia agora é contada em slides de Power Point mundo afora. Eu verto uma enxurrada de dólares diariamente, como numa violenta e doce diarréia. Daquela época de fracasso, pouco ficou. A única coisa que me mantém em contato com o passado é a Joana. Ela é uma das minhas criadas. É muda. De vez em quando eu também entro dentro dela, mas aí vocês já não tem nada a ver com isso.

4 comentários:

T. Alvez disse...

lindo demais.
num sei porque você demora tanto pra divulgar seus textos...
:**

Andrade disse...

claro que isso não é meu neh!
Se eu achar denovo onde eu pegei isso, eu ponho awui!(que coisa feia ficar pondo coisa dos outros sem por crédito, to com vergonha de mim mesmo)

T. Alvez disse...

mas pareceu tanto!
até porque combina demais com certas coisas

T. Alvez disse...

usurpador!
hahaha


thainah, com trema
(queria que meu nome tivesse, só pra ser marginalizada da língua portuguesa e me sentir uma merda)